Olá Zeferino. É o tio Sandes. Vim cá dar-te as boas noites. Lembras-te do tio Sandes, não lembras? Lembras-te quando te levei à praia e pegámos fogo à barraca dos gelados e morreram três pessoas? Não foi divertido? Lembras-te de fugirmos da polícia? E de como nos escondemos nos esgotos e o tio Sandes ficou coberto de caca? E de se limpar com o teu casaco? Lembras-te? E depois fomos a um bar, embebedei-me e vomitei para cima da máquina com um macaco que diz "Olá como te llamas? Quiero ser tu amigo! Quiero ser tu amigo!"? E depois começaram a sair faíscas do macaco e a máquina começou a arder? Como toda a gente gritava? Lembras-te disso? Lembras-te dos gritos? E das ambulâncias? Não foi divertido?
E lembras-te daquela outra vez? Quando te levei ao circo? E o leão soltou-se e comeu um macaco? Não foi divertido? E tiveram que matar o leão? E os outros macacos ficaram muito tristes, por isso tiveram de os matar também? Não foi divertido? E depois aquele homem caiu do trapézio e ficou esmagado no chão e tiveram de o matar? E os outros trapezistas ficaram muito tristes e tiveram de os matar também? Hã? Não foi divertido?
Porque estás a chorar Zeferino? Por favor, não chores. Se parares de chorar levo-te a ver uma tourada. Não seria divertido? Talvez alguém fosse pisado pelo touro ou levasse uma marrada. Também têm cavalinhos e vacas, sabes? Se calhar até iam ter de matar um cavalinho. Ou uma vaquinha. E se a matassem, até podia ser que a comêssemos em bifes no pão. Não ia ser divertido? Por favor não chores.
Lembras-te de quando foste cuspido do meu carro? Estavas a espreitar à janela e contornámos uma rotunda muito depressa para não bater naquela senhora? Mas batemos. E tu saíste disparado pela janela e batestes com a cabecita no poste? E depois o senhor doutor teve que te coser a cabeça com uma agulha grande? Agora tenho um barco, Zeferino. Queres vir dar uma volta no meu barco? Prometo que vou ter cuidado. Já estás a dormir? Zeferino? Por favor, pára de chorar.