terça-feira, 27 de março de 2007

Calem-se e tirem os chapéus

O costume de observar um minuto de silêncio antes de um evento desportivo para homenagear gente morta é absurdo. E arbitrário. Porque, se repararem bem, só algumas pessoas têm direito a este tratamento, É altamente selectivo. Por isso decidi que, quando chegar o momento em que toda a gente que morrer no mundo tiver direito a um minuto de silêncio, vou começar a levar a coisa a sério. Até lá, não contem comigo. É ridículo. Passo a explicar.
Imaginem que estão num estádio, preparados para ver acção, quando uma voz soturna interrompe a festa e anuncia em tom abatido:
«E agora, senhoras e senhores, pedimos que descubram as cabeças e se juntem a nós num minuto de silêncio pelos quarenta e três instrutores de dança mexicanos, feios, gordos e atrasados mentais que perderam a vida hoje de manhã num acidente de montanha russa na Feira Popular. Ao que parece, levantaram-se todos numa curva apertada e foram projectados para o céu frio da manhã. E, visto que eram mais pesados que o ar, caíram no telhado da Barraca da Barafunda, atravessando-o e aterrando sobre vários palhaços, matando-os a todos e esborrachando os seus narizes vermelhos para lá de qualquer reconhecimento possível. Julga-se que uma das vítimas foi o conhecido Batatinha.»
Ouvem-se risos entre a assistência. A voz prossegue:
«Senhores e senhoras, se acham isto divertido, se acham que é ocasião para galhofa e regabofe, peço-vos para se porem na posição de algum mexicano enlutado que possa estar sentado ao vosso lado nesta tarde. Tentem inverter a situação. Imaginem-se a visitar o México e a assistir a um jogo de corrida de lamas. Imaginem-se sentados num estádio, um taco numa mão e uma Corona na outra, preparados para ver acção quando uma voz taciturna interrompe a festa e anuncia em tom soturno:
«Señores e señoritas, pedimos que retirem os sombreros e se juntem a nós num minuto de silêncio pelos quarenta e três domadores de pulgas portugueses feios, gordos e atrasados mentais que perderam a vida hoje de manhã num acidente de roda gigante numa feira.»
A voz continua em espanhol:
«Ao que parece, a gigantesca roda gigante descontrolou-se e começou a rodar selvaticamente, projectando os pobres domadores de pulgas para o céu, nesta manhã quente e húmida. E, visto que eram mais pesados que o ar, caíram no telhado do Museu das Aberrações, atravessando-o, esmagando o rapaz com cara de cão, destruindo os seus brinquedos de roer e magoando severamente o Cláudio Ramos.
E digamos que, quando acabam de ouvir isto, dão convosco ao lado de um espertalhão mexicano de bigode farfalhudo que se ri e dá cotoveladas ao amigo. Sentir-se-iam furiosos com esta falta de respeito, não é assim? E com razão!»

Estão a perceber o que um anúncio destes implica? É difícil para alguém que está a ver algo emocionante entrar neste espírito melancólico e soturno. A não ser que seja feito pelo Badaró.

(Continua amanhã )

1 comentário:

Sandes de Choco c/mortandela disse...

ficou assim um bocadinho para o grande